23.4.05

LEOPOLDO MARÍA PANERO

IX
LECTURA


Yo no hablo del sol, sino de la luna
que ilumina eternamente este poema
en donde una manada de niños corre perseguida por los lobos
y el verso entona un himno al pus
Oh, amor impuro! Amor de las sílabas y de las letras
que destruyen el mundo, que lo alivian
de ser cierto, de estar ahí para nada,
como un arroyo
que no refleja mi imagen,
espejo del vampiro
de aquel que, desde la página
va a chupar tu sangre, lector
y convertirla en lágrimas y en nada:
y a hacerte comulgar con el acero.

(de Piedra Negra o del Temblar, 1992)


IX
LEITURA

Eu não falo do sol, apenas da lua
que ilumina eternamente este poema
por onde uma manada de crianças corre perseguida pelos lobos
e o verso entoa um hino ao pus.
Ó amor impuro! Amor às sílabas e às letras
que destroem o mundo, que o aliviam
de ser correcto, de estar aí para nada,
como um ribeiro
que não me reflecte a imagem,
espelho do vampiro
daquele que, através da página
te vai chupar o sangue, leitor
e convertê-lo em lágrima e em nada:
e te vai fazer comungar com o aço.

(tradução minha)

22.4.05

MARÍA VICTORIA ATENCIA

DAR E PEDIR

Como os seres vivos no seu devido tempo,
dar ou pedir podemos o que já nos pertence
e aquilo que por norma nos esteve vedado.
Usual, a proposta possui tantos matizes
como em dádivas é vária a natureza mãe:
o poder, a paixão, o fervor, a beleza.

De nada vai servir-nos viver as estações:
para Dezembro vamos com o frio nos ossos,
embora escolher possamos - em tão vários instantes
da noite ou do dia - inferno ou paraíso.
Somos livres de optar neste absurdo estado,
mas somente o perfil que mais nos favoreça.

(tradução de José Bento, in Antologia Poética, Assírio & Alvim, 2000 - documenta poetica / original de Marta e María, 1976)

21.4.05

ÀLEX SUSANNA

INTEMPÉRIE

O medo trepa em nós
como a hera precoce:
de repente estamos debruçados
sobre o precipício da idade,
depressa demais para saber o que fazer
e a intempérie é o único refúgio
onde podemos aprender a conviver
com aquilo que somos,
sozinhos com o medo de saber
bem demais onde nos encontramos
e a inutilidade futura
de todo o saber: a única certeza
de que jamais nos libertaremos.

(de Les anelles dels anys / Os Anéis dos Anos, 1991, in Os Anéis do Tempo, tradução de Egito Gonçalves, Limiar, 1995 - os olhos e a memória)

19.4.05

Resposta ao convite do Rui Manuel Amaral.

Não podendo sair do Fahrenheit 451, que livro quererias ser?
"Jeremias, o louco" de José Agostinho Baptista.

Já alguma vez ficaste apanhadinha(o) por um personagem de ficção?
Não foi bem apanhadinho, mas foi quase. A Princesa do Lawrence mexeu comigo.

Qual foi o último livro que compraste?
Comprei em simultâneo "Fragmentos do Delírio" de José Augusto Seabra e "Os Anéis do tempo" de Àlex Susanna. (ontem, na livraria Lacio no Campo Grande, em Lisboa, na qual entrei pela primeira vez)

Qual o último livro que leste?
O último que terminei foi "Memórias Póstumas de Brás Cubas" de Machado de Assis. (não contabilizo a poesia, porque, de modo geral, não dou a leitura por concluída)

Que livros estás a ler?
"Assim na Terra como no Céu - Ciência, Religião e estruturação do pensamento ocidental" de Clara Pinto Correia e José Pedro Sousa Dias; "Breve História de Quase Tudo" de Bill Bryson; "Quincas Borba" de Machado de Assis e "Lunar Caustic" de Malcolm Lowry. (além de vários de poesia)

Que livros (5) levarias para uma ilha deserta?
A "Obra Poética" de Ruy Cinatti; o "Ulisses" e o "Finnegan's Wake" de James Joyce; um álbum ilustrado com toda a obra de Giotto e um com as folhas em branco e que dê para anexar um lápis.

A quem vais passar este testemunho (três pessoas) e porquê?
Vitor Vicente
Miguel
MB

pela mesma razão por que me enviaram a mim.

"Consola-me o facto de que o Senhor sabe trabalhar e actuar com instrumentos insuficientes e, sobretudo, confio nas vossas orações."

ADÍLIA LOPES

Apanhei o cabelo
em rabo de cavalo
agora a minha solidão
vê-se melhor
vê-se tão bem
como a minha face

E a minha face
é desassombrada
as sombras
não são minhas.

(in Relâmpago, nº 14, 4/2004)
SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN

Soror Mariana - Beja


Cortaram os trigos. Agora
A minha solidão vê-se melhor

(de O Nome das Coisas, 1977)

18.4.05

AMADEU BAPTISTA

a afeição às sombras é como o tempo
em que a vigília se prolonga
algo exaspera intimamente e desce ao corpo
para aproximar a vida ao itinerário
da pedra com o rastilho
que o homem há-de acender
para que a chuva de estrelas inicie
a suavidade e o acolhimento
e a amazona venha a esta praia
onde as marés se enchem de fascínio
e o silêncio pulsa carregado de emoções
que a memória envolve em bruma e em brancura
para ressuscitar os ecos e na luz
despertar as palavras da solidão do mundo -

(de O Claro Interior, com ilustrações de Rogério Ribeiro, Íman edições, 2004)